Tuesday, May 31, 2005


"Peace girl"
Emilie Maersk, with a peace sign painted on her face, is taking part in a demonstration in front of the US Embassy in Copenhagen, Denmark, in a protest against a possible US-led war on Iraq, Saturday March 15, 2003. Some 5,000 people took part in the demonstration.

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Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas,
Brica na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.

“Alberto Caeiro”

Tuesday, May 24, 2005



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Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
Deu-me o mundo exterior por exemplo da Realidade,
E quando digo «isto é real», mesmo de um sentimento,
Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.

Ser real que dizer não estar dentro de mim.
Da minha pesssoas de dentro não tenho noção da realidade.
Sei que o mundo existe, mas não sei se existo.

Estou mais certo da existência da minha casa branca
Do que a existência interior do dono da casa branca,
Creio mais no meuu corpo do que na minha alma,
Porque o meu corpo apresenta-se no meio da realiade.
Podendo ser visto por outrso,
Podendo tocar em outros
Podendo sentar-se e estar de pé,
Mas a minha alma só pode ser defenida em termso de fora.
Existe para mim- nos momentos que julgo que efectivamente existe –
Por empréstimo da realidade exterior do Mundo.

Se a alma é mais real
Que o mundo exterior, como tu, filosofo, dizes
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo de realidade?

Se é mais certo sentir
Do que existir a coisa que sinto-
Para que sinto
E para que essa coisa independentemente de mim
Sem precisar de mim para existir,
E eu sempre ligado a mim-proprio, sempre pessoal e intransmissível?
Para que movo com os outros
Em um mundo em que nos entendemos e onde coicidimos
Se por acaso esse mundo é o erro e eu é que estou certo?
Se o Mundo é um erro, é um erro de toda a gente.

E cada um de nós é o erro de cada um de nós apenas
Coisa por coisa, o mundo é mais certo.

Mas porque me interrogo, senão porque estou doente?

Nos dias certos, nos dias exteriores da minha vida,
Nos meus dias de perfeita lucidez natural,
Sinto sem sentir que sinto,
Vejo sem saber que vejo,
E nunca o Universo é tão real como então,
Nunca o Universo está (não é perto ou longe de mim,
Mas) tão sublimemente não meu.

Quando digo «é evidente», quero acaso dizer «só eu é que o vejo»?
Quando digo «é verdade», quero acaso dizer «é a minha opinião»?
Quando digo «ali está», quero acaso dizer «não esta ali»?
E se isto é assim na vida, porque será diferente na filosofia?
Vivemos antes de filosofar, existimos antes de o sabermos,
E o primeiro facto merece ao menos a precedência e o culto.
Sim, antes de sermos interiormente somos exteriormente.
Por isso somos exteriormente essencialmente.

Dizes, filosofo doente, filosofo enfim, que isto é materialismo.
Mas isto como pode ser materialismo, se materialismo é uma filosofia,
Se uma filosofia seria, pelo menos sendo minha, uma filosofia minha,
E isto nem sequer é meu, nem sequer sou eu?

“Alberto Caeiro”

Tuesday, May 17, 2005



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Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada
E que para de onde veio volta depois
Quase a noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças – tinha só que ter rodas…
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco…
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

“Alberto Caeiro”

Tuesday, May 10, 2005



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As bolas de sabão que esta criança
Se entretêm a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda,
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa
Pretende que elas são mais do que parecem ser.

Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer coisa se aligeira em nós
E aceite tudo mais nitidamente

“Alberto Caeiro”

Tuesday, May 03, 2005



"Stardust Piano"

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Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as arvores fazem…

Para que é preciso um piano?
O melhor é ter ouvido
E amar a natureza

“Alberto Caeiro”