Tuesday, June 28, 2005
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E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas suas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e esta sempre bem e é sempre a mesma
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.
E olho para as flores e sorrio…
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.
“Alberto Caeiro”
Tuesday, June 21, 2005
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XLVII
Num dia excessivamente nítido,
Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito
Para nele não ter trabalhado nada,
Entrevi, como uma estrada por entre a s arvores,
O que talvez seja o Grande Segredo,
Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.
Vi que não há natureza,
Que a Natureza não existe,
Que há montes, vales, planícies,
Que há arvores, flores, ervas,
Que há rios e pedras, mas que não há um todo a que isso pertença,
Que um conjunto real e verdadeiro
È uma doença das nossa ideias.
A Natureza é partes sem um todo.
Isto é talvez o tal mistério de que falam.
Foi isto o que sem pensar nem parar,
Acertei que devia ser a verdade
Que todos andam a achar e que não acham,
E que só eu, porque a não fui achar, achei.
“Alberto Caeiro”
Tuesday, June 14, 2005
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Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo as vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer;
Como se escrever não fosse uma coisa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma coisa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras a ideia
E não precisar de um corredor
Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despri-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Cairo,
Mas um animal humano que a natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o descobridor da natureza.
Sou o argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são quase cinco do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos
“Alberto Caeiro”
Tuesday, June 07, 2005
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Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha aldeia no cimo deste outeiro
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
“Alberto Caeiro”
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